A
cidade como local de deambulação tem sido objeto de interesse artístico e
intelectual desde as definições de flaneur de Charles Baudelaire, ou
seja, o que vem a ser o indivíduo que se lança aos espaços urbanos. Taís Cabral,
em sua produção gráfica, busca a reminiscência de seus trajetos pela cidade de
São Paulo, no sentido dado por Walter Benjamin ao que seria rememorar, a
saber, aquele em que “o importante, para
o autor que rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração, o
trabalho de Penélope da reminiscência”[1].
A pesquisa da artista sobre a trajetória
rememorada pauta-se no acúmulo de imagens assimiladas em suas experiências de
deslocamento cotidiano pela capital paulista e busca o mapeamento da cidade
pela ação da memória e por meio da representação do espaço urbano.
Assim, seu trabalho pictórico, da mesma forma
que a memória cumulativa, oferece-se como espaço sem rompimentos, torna o plano
da obra em um continuum em que diversos aspectos da cidade surgem numa espécie
de ambiente fantástico. Ruas, esquinas, edifícios tornam-se unos, mediante a
reestruturação daquilo que existe no emaranhado urbano.
A obra não se oferece como a representação
fiel daquilo que se vê nos limites do campo visual, incapaz que é de conter o todo da
experiência de trajetos, mas como representação do que é guardado na memória,
resultando num todo não figurativo, mas indicial de espaços físicos reais.
As pinturas, apesar de suas dimensões modestas,
emulam a monumentalidade arquitetônica e sua variância de proporções,
distâncias e formas, por meio da sobreposição de planos, que fogem à
identificação ambiental, tornam-se indistinguíveis o imensamente grande e o
infimamente pequeno.
Seus trabalhos resultam, assim da prática dos
sentidos, da imaginação e da memória e criam, mais que registros, uma experiência
pictórica labiríntica que, apesar de ter como referência a vivência concreta da
cidade de São Paulo, torna-se qualquer cidade ou nenhuma existente.
A artista usa, como suporte para suas pinturas
a óleo, chapas de MDF, placas de linóleo e de pisos Paviflex, que permitem
estruturações modulares por seus formatos quadrados ou retangulares, que formam
combinações entre si e com o ambiente em que são expostas.
As placas de Paviflex, muitas vezes
reutilizadas de construções em demolição, trazem as marcas de seu uso anterior
como piso, impreganadas, em sua superfície lisa, de sujeira, sinais e incisões,
proporcionando, assim, certa concretude por meio do diálogo de sua história com
sua função atual de obra plástica.
Assim, a obra de Taís
Cabral, mediante regras compositivas, busca, em sua fatura artística, a cidade que a rodeia, tanto em seu constructo mental desta
mesma cidade, ativado pela memória viva e possível de ser partilhada, quanto na
busca de dados de materialidade concreta pela escolha dos suportes,
relacionando a dimensão imaginária e rememorativa da experiência vivida com
elementos físicos oriundos da experiência mesma.
[1] Walter
Benjamin. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em
Walter Benjamin. São Paulo: Edusp, 1994, p. 34.
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